Dar de primeira ou não?
Enquanto esperavam por uma mesa de não fumantes e de preferência ao lado do aquecedor, as duas melhores amigas de Clarice a olhavam. Ela, lacrimejosa, não sabia se odiava mais por ter dado para o cara no primeiro encontro ou por estar se odiando por isso. Mas que mal tinha sentir tesão e não regular a mixaria? O problema era tratar sua alma como mixaria, por mais moderna que Clarice gostasse de ser ou de achar que era, sexo para ela, ou a vagina para irmos mais direto ao assunto, era a porta para a sua alma. Fernanda discordava: Mas minha filha, sexo com amor é maravilhoso sim, e tem todo esse lance de alma sim, mas trepada é trepada e pronto. Não tem alma, só gozada. Serve? Mas não servia, Clarice colocava o raio da alma em tudo o que fazia. Clarice sempre fazia tudo por amor, ainda que tivesse acabado de conhecer o rapaz, ainda que fizesse uma sacanagem. Ela via romance até em putaria. Um problema de fantasia, segundo Ane. Você tem o problema de fantasiar tudo. Fantasiou de novo que estava dando para o homem da sua vida, apesar de arrumar um por semana e já ir botando lá no pedestal antes de saber se ele quer ser esse cara, esse príncipe. Se ele tivesse ligado, mandado flores, dar no primeiro encontro seria a coisa mais óbvia do universo. Mas já faziam três semanas e nada do rapaz. Clarice se sentia usada: Não ia conseguir dar sem achar que ele era um príncipe porque minha lubrificação é acionada pelo coração. Eu sei que eles são sapos, mas preciso fantasiar que são príncipes para não ficar imaculada até que um príncipe de verdade apareça, entendeu? Ane continua seu pseudo-freudianismo barato, mas dessa vez mais irritada: Então não sofra cacete! Você tem essa consciência. O cara não ter ligado dói mesmo, mas não por causa do romance, por causa do seu ego. Como ele foi desprezar essa mega gostosa que é você? Mas ele não ter ligado não significa que você não seja uma mega gostosa, apenas que ele não está a fim de dar uma segunda com uma mega gostosa. Por um problema dele qualquer que você nunca vai descobrir. Clarice, abafando com as mãos as vozes do ouvido, em mais um de seus momentos de superego puritano e retrógrado: Significa que eu sou uma puta muito fácil que não mereço uma segunda comida. Fernanda interrompe impaciente com o papo e com a espera pela mesa: Olha, eu sei como funciona essa coisa toda, rola um lance de se sentir meio depósito de esperma. Mas beleza, entendeu? Ce foi lá e também curtiu, também sentiu prazer. E beleza. Clarice: Eu não senti prazer. Eu só sinto prazer depois da quinta ou sexta vez que faço sexo com o cara. Depois que estou relaxada, sei aonde estou pisando. Depois que vira romance. Entendeu? Fernanda solta uma risada escandalosa: Você não gozou? Então o cara é ruim! Pra que vai querer sair com ele de novo. E ele sabe que você não gozou? Clarice, sem titubear: Eu fingi para acabar logo com aquilo. Ele tava empenhado, não foi culpa dele. Eu que não relaxo mesmo nas primeiras vezes. Ane: Se os homens soubesses o número de mulheres que fazem isso iam rever o endeusamento pelos seus paus. Fernanda: Você também finge as vezes? Ane: Eu tenho um problema que é o seguinte: o cara que me disperta tesão não é o cara que me dá orgasmo. Por exemplo: um cara proibido, sei lá, um cara casado, entende? Ele me dá tesão por ser proibido. Mas como a coisa tem que ser meio rápida no motel na hora do almoço, aquela situação, por mais enlouquecedora que seja, não me deixa relaxar e eu não sinto orgasmo. Mas eu gosto da situação. Clarice respira fundo, e fixa o olhar num ponto tão longe que se perde. As amigas se entreolham e dão de ombros. A incorrigível romântica sofredora, mas que jamais abandonava um motivo para se deitar com um bonitão, nunca teria jeito. E sofrer e remoer, e continuar dando mesmo assim, seria eternamente sua marca registrada. A quinta sinfonia de Bethoven do celular de Clarice era uma esperança. Clarice revira a bolsa toda e encontra o celular quase no final de sua melodia. Era ele, sim era ele. Que alegria. Mas Clarice não atende, ela já tinha conseguido o que queria: colocar ela um ponto final naquela trepada meia boca. Fernanda e Ane impacientes perguntam quem era com os olhos. Ao que Clarice responde: Um babaca que nem me fez gozar e agora fica me ligando. Saco!
Enquanto esperavam por uma mesa de não fumantes e de preferência ao lado do aquecedor, as duas melhores amigas de Clarice a olhavam. Ela, lacrimejosa, não sabia se odiava mais por ter dado para o cara no primeiro encontro ou por estar se odiando por isso. Mas que mal tinha sentir tesão e não regular a mixaria? O problema era tratar sua alma como mixaria, por mais moderna que Clarice gostasse de ser ou de achar que era, sexo para ela, ou a vagina para irmos mais direto ao assunto, era a porta para a sua alma. Fernanda discordava: Mas minha filha, sexo com amor é maravilhoso sim, e tem todo esse lance de alma sim, mas trepada é trepada e pronto. Não tem alma, só gozada. Serve? Mas não servia, Clarice colocava o raio da alma em tudo o que fazia. Clarice sempre fazia tudo por amor, ainda que tivesse acabado de conhecer o rapaz, ainda que fizesse uma sacanagem. Ela via romance até em putaria. Um problema de fantasia, segundo Ane. Você tem o problema de fantasiar tudo. Fantasiou de novo que estava dando para o homem da sua vida, apesar de arrumar um por semana e já ir botando lá no pedestal antes de saber se ele quer ser esse cara, esse príncipe. Se ele tivesse ligado, mandado flores, dar no primeiro encontro seria a coisa mais óbvia do universo. Mas já faziam três semanas e nada do rapaz. Clarice se sentia usada: Não ia conseguir dar sem achar que ele era um príncipe porque minha lubrificação é acionada pelo coração. Eu sei que eles são sapos, mas preciso fantasiar que são príncipes para não ficar imaculada até que um príncipe de verdade apareça, entendeu? Ane continua seu pseudo-freudianismo barato, mas dessa vez mais irritada: Então não sofra cacete! Você tem essa consciência. O cara não ter ligado dói mesmo, mas não por causa do romance, por causa do seu ego. Como ele foi desprezar essa mega gostosa que é você? Mas ele não ter ligado não significa que você não seja uma mega gostosa, apenas que ele não está a fim de dar uma segunda com uma mega gostosa. Por um problema dele qualquer que você nunca vai descobrir. Clarice, abafando com as mãos as vozes do ouvido, em mais um de seus momentos de superego puritano e retrógrado: Significa que eu sou uma puta muito fácil que não mereço uma segunda comida. Fernanda interrompe impaciente com o papo e com a espera pela mesa: Olha, eu sei como funciona essa coisa toda, rola um lance de se sentir meio depósito de esperma. Mas beleza, entendeu? Ce foi lá e também curtiu, também sentiu prazer. E beleza. Clarice: Eu não senti prazer. Eu só sinto prazer depois da quinta ou sexta vez que faço sexo com o cara. Depois que estou relaxada, sei aonde estou pisando. Depois que vira romance. Entendeu? Fernanda solta uma risada escandalosa: Você não gozou? Então o cara é ruim! Pra que vai querer sair com ele de novo. E ele sabe que você não gozou? Clarice, sem titubear: Eu fingi para acabar logo com aquilo. Ele tava empenhado, não foi culpa dele. Eu que não relaxo mesmo nas primeiras vezes. Ane: Se os homens soubesses o número de mulheres que fazem isso iam rever o endeusamento pelos seus paus. Fernanda: Você também finge as vezes? Ane: Eu tenho um problema que é o seguinte: o cara que me disperta tesão não é o cara que me dá orgasmo. Por exemplo: um cara proibido, sei lá, um cara casado, entende? Ele me dá tesão por ser proibido. Mas como a coisa tem que ser meio rápida no motel na hora do almoço, aquela situação, por mais enlouquecedora que seja, não me deixa relaxar e eu não sinto orgasmo. Mas eu gosto da situação. Clarice respira fundo, e fixa o olhar num ponto tão longe que se perde. As amigas se entreolham e dão de ombros. A incorrigível romântica sofredora, mas que jamais abandonava um motivo para se deitar com um bonitão, nunca teria jeito. E sofrer e remoer, e continuar dando mesmo assim, seria eternamente sua marca registrada. A quinta sinfonia de Bethoven do celular de Clarice era uma esperança. Clarice revira a bolsa toda e encontra o celular quase no final de sua melodia. Era ele, sim era ele. Que alegria. Mas Clarice não atende, ela já tinha conseguido o que queria: colocar ela um ponto final naquela trepada meia boca. Fernanda e Ane impacientes perguntam quem era com os olhos. Ao que Clarice responde: Um babaca que nem me fez gozar e agora fica me ligando. Saco!
Tati Bernardi